O projeto de lei que pretende regular a atividade dos motoristas de aplicativo foi criticado por especialistas do mundo do trabalho. A Agência Brasil ouviu três pesquisadores do tema, com análises que vão desde “pior projeto do mundo” até avaliações como “foi o possível de se avançar” em uma mesa de negociação com empresas de tecnologia.
Foi o possível
Comparação internacional
Apresentado nessa semana após negociação entre governo, empresas e sindicatos, o texto cria a figura do “trabalhador autônomo por plataforma”, não prevê vínculo empregatício entre motorista e empresas, estipula um valor mínimo para remuneração por hora de corrida, inclui os motoristas obrigatoriamente na Previdência Social com contribuição dos empregadores e determina a negociação via acordos coletivos.
O professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Carelli afirmou que o projeto é “trágico” e “desastroso”. Diz ainda que é pior do que o que foi estabelecido na Califórnia, nos Estados Unidos, ou na Espanha, Alemanha e Portugal, além de considerar pior também do que está em discussão na União Europeia.
Para o professor, que também é procurador do trabalho, a proposta cria uma figura híbrida, que não é nem autônomo, nem trabalhador.
Carelli argumenta que o projeto mantém a subordinação do trabalhador à empresa ao prever o poder da plataforma fiscalizar e punir os motoristas, o que violaria a noção de autonomia. Ao mesmo tempo, destacou que o projeto não garante os direitos previstos no artigo 7º da Constituição, como 13ª salário, participação nos lucros e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
“Nós estamos criando uma categoria que não tem direitos fundamentais. Nós estamos criando uma subcategoria de cidadãos. Cidadãos que, apesar de serem subordinados à empresa, e o projeto de lei garante essa subordinação, não garante a autonomia”, completou. Para Carelli, o único “pequeno avanço” do projeto seria a obrigatoriedade de as empresas contribuírem com a Previdência Social.
O professor da URFJ acredita que a aprovação desse projeto terá repercussão em todo mundo do trabalho no país. “O que está acontecendo no Brasil é uma desconstrução dos direitos no mundo do trabalho. Conseguiram incutir na cabeça das pessoas que realmente não tem que ter direitos, que as empresas fazem somente o bem e que cada um tem que se entender também como empreendedor. É a ideologia dominante”, finalizou.
Posição semelhante tem a professora de Direito da PUC de Minas Ana Carolina Paes Leme, autora do livro De Vida e Vínculos: As Lutas dos Motoristas Plataformizados por Reconhecimento, Redistribuição e Representação no Brasil.
Para a doutora em direito do trabalho, a comissão tripartite que criou o texto não garantiu a efetiva participação dos trabalhadores. Isso porque lideranças foram excluídas da mesa, outras não entendiam sobre esse tipo de trabalho e alguns motoristas ficaram sem rendimento enquanto estavam nas negociações.
Do outro lado, as empresas eram representadas por advogados com ótimas remunerações. “Não foi acordo. Não houve paridade de participação. Foi uma luta de estilingues contra drones a laser”, comentou. Paes Leme também defende que o único ponto positivo foi a inclusão das empresas na contribuição da previdência.
Fonte: Agência Brasil