A escolha das palavras pode levar a uma boa história em um livro, mas também a um discurso que convença toda uma nação. Para o escritor Gonçalo Tavares, a linguagem é um poderoso instrumento e a leitura é o treino necessário tanto para se posicionar no mundo, como para ser uma pessoa mais interessante e para combater qualquer tentativa de manipulação. “Eu acho que ler é uma espécie de treino, de arte marcial da linguagem”, diz em entrevista à Agência Brasil.
Gonçalo Tavares nasceu em Luanda, na Angola e logo mudou-se para Portugal. Com mais de 40 títulos publicados, é, atualmente, um dos escritores europeus mais traduzidos em todo o mundo, com livros publicados em 70 países. Tavares recebeu prêmios literários diversos, entre eles o “Prix du Meilleur Livre Étranger 2010”, que até agora foi entregue a autores como Robert Musil, Philip Roth, Gabriel García Márquez e Elias Canetti; e o “Prix Littéraire Européen 2011.
Nesta quarta-feira (11), ele participa do Clube de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, onde debate o livro Uma Menina Está perdida no seu Século à Procura do Pai. Os vídeos dos encontros ficam disponíveis, na íntegra, no YouTube do Banco do Brasil. O projeto vai até dezembro de 2023.
Um dia antes, Tavares conversou com a Agência Brasil sobre a própria produção, sobre o papel da literatura em um mundo cada vez mais digital e voltado para a imagem e sobre o papel da linguagem em todas as relações humanas. Ao mesmo tempo que lemos menos livros – em quatro anos o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores – na internet, lemos e escrevemos bastante: “Toda gente é escritora, só que é escritora de coisas banais”, diz e acrescenta: “isso é assustador. Realmente estamos a construir analfabetos linguísticos muitas vezes, porque estão apenas a ler SMS, coisas do Facebook muito básicas. Habituou-se a ler mal a linguagem”.
Para o escritor, a leitura torna uma pessoa mais interessante e com mais instrumentos para lidar com a realidade de uma forma crítica. “Eu diria que um dos papeis da literatura é alimentar a lucidez do leitor e, nesse sentido, fazer com que um leitor perceba melhor a realidade, não a histórica, mas a realidade que está a viver nesse momento. Perceba melhor a maldade, perceba melhor os mecanismos do medo, da violência”, diz.
Em Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai, Tavares traz literalmente a realidade para a literatura, ao abordar a Segunda Guerra Mundial. Na história, Hanna, uma menina com síndrome de Down, procura o pai em um cenário pós guerra. Na empreitada, ela recebe a ajuda de um homem, que acaba por aproximar-se desse papel de pai. Perguntado sobre as guerras, sobretudo as que estamos vivendo, como de Israel e Palestina, Tavares diz: “é absurdo perceber como o ódio circula, como o ódio passa de geração para geração, como o ódio vai se mantendo”.
Os encontros do Clube de Leitura são mensais e ocorrem presencialmente na Biblioteca Banco do Brasil, no 5º andar do CCBB RJ, sempre na segunda quarta-feira de cada mês. Na quinta e sexta-feira seguintes, há a escolha do próximo livro a ser discutido. Em novembro, o autor será Milton Hatoum e a escolha do livro acontece por votação aberta nesta quinta (12) e sexta (13) no Instagram do CCBB.
Leia os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Para você, o que é a literatura e qual o papel dos livros para a sociedade?
Gonçalo Tavares: Eu diria que um dos papeis da literatura é alimentar a lucidez do leitor e, nesse sentido, fazer com que um leitor perceba melhor a realidade, não a histórica, mas a realidade que está a viver nesse momento. Perceba melhor a maldade, perceba melhor os mecanismos do medo, da violência. Por exemplo, perceba melhor a relação entre um filho e um pai. Portanto, eu acho que a literatura não é para ficar fechada nos livros, é para ser usada na vida.
Fonte: Agência Brasil