Da comunidade de Três Unidos, a cinco horas de barco de Manaus, a estudante Tainara Cruz, de 19 anos, do povo kambeba, se apresenta como comunicadora e ativista ambiental. As postagens dela são acompanhadas por mais de 20 mil seguidores no Instagram. Antes, as pessoas a viam como tímida e reservada. Gravar sobre o que dói ou a alegra gerou uma vocação.
Engajamento
“Ouvimos falar bastante na mídia sobre a questão das mudanças climáticas. Mas o que pouco se fala é que elas também provocam consequências para a gente, povos indígenas que sofremos com a elevação das temperaturas médias”, diz em uma das postagens.
Desde 2021, a estudante passou a falar de tudo: mudanças climáticas, marco temporal, histórias dos povoados, a plantação e a seca que mudou o cenário na Amazônia. Ela descobriu a vontade de se expressar depois que participou de uma oficina de um projeto chamado “Repórteres da Floresta”, uma iniciativa da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Gostou tanto de se expressar que já sabe o que deseja cursar no ensino superior: quer ser jornalista.
“Comecei a ver o mundo de forma muito diferente. Senti uma paixão por isso. Como é lindo saber sobre escrita e leitura”, diz a estudante. Atualmente, ela divide o tempo de estudos com um trabalho como secretária em Manaus.
Mas descobriu a missão de vida. “Quero mobilizar os povos indígenas para resolver os problemas que nos afetam”. Entre eles, atualmente, a seca na Amazônia a preocupa. Com a estiagem, vê queimadas, o Rio Cuieiras secar e, com isso, macaxeira e abacaxi, que sempre foram pródigos na terra do seu povoado, demorarem a brotar.
Até o prato que todos mais admiram no lugarejo, o fani, está difícil de fazer, já que a receita é com macaxeira e pirarucu, o peixe que está cada vez mais raro. Com a escassez, teve que ir para Manaus para trabalhar, o que diminuiu a frequência das postagens, mas não a vontade de ser como uma porta-voz.
Empoderar pessoas de comunidades tradicionais é a intenção dos idealizadores do projeto, conforme explica Valcleia Solidade, de 54 anos, superintendente do desenvolvimento sustentável da FAS. “A ideia foi trazer algo diferente para engajar mais os jovens das comunidades a participar das atividades e que retratasse a realidade da comunidade em seu dia a dia”. Desde 2014, a iniciativa já formou mais de 300 participantes.
A atual edição do projeto deve contemplar, até o final de 2023, ao menos 120 alunos de mais de 20 comunidades situadas nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, Uatumã, Uacari, Juma e Mamirauá.
O Repórteres da Floresta tem módulos teóricos, em que os jovens aprendem técnicas de fotografia, vídeo, áudio, iluminação e edição; e a prática, em que os alunos vão a campo. Os jovens produzem podcasts e entrevistas com pessoas de suas comunidades.
O trabalho desenvolvido com os jovens toca fundo em Valcleia Solidade, que nasceu comunidade quilombola Mururu, em Santarém. “Tive que sair da minha comunidade com 12 anos de idade porque não tinha escola. Aí fui trabalhar como babá na cidade”.
Fonte: Agência Brasil